A flor da rosa, antes ainda dos olhares e narizes humanos embarcarem no labor da escultura genética, deviam a sua existência a milhares de anos de actividade escultórica dos olhos e narizes (ou melhor, das antenas, o órgão do olfacto) dos insectos. E o mesmo se pode dizer de todas as flores que embelezam os nossos jardins.
O girassol, Helianthus annuus, é uma planta norte-americana cuja forma silvestre se assemelha a um áster ou margarida grande. Os girassóis que se cultivam hoje foram domesticados ao ponto de terem flores do tamanho de um prato de sopa.
Os girassóis gigantes, cultivados originariamente na Rússia, têm entre 3,5 e 5 metros de altura, o diâmetro da cabeça tem perto de 30 centímetros, dez vezes superior ao tamanho do disco de um girassol bravio, havendo em geral uma cabeça por planta, em vez das flores numerosas, mas menores, da planta bravia. Note-se que os Russos começaram a cultivar esta flor americana por motivos religiosos. Durante a Quaresma e o Advento, a utilização de azeite na cozinha era proibida pela Igreja Ortodoxa. Ora, considerou-se que o óleo das sementes de girassol estava isento desta proibição. Este factor económico impulsionou a recente criação selectiva do girassol.
Muito antes da era moderna, contudo, os americanos nativos cultivaram estas flores nutritivas e espectaculares de onde extraíam alimento e corantes e que usavam na decoração, e alcançaram resultados intermédios entre o girassol bravio e os extremos extravagantes dos cultivares modernos. Mas, antes de tudo isto, os girassóis, tal como todas as flores de cores vivas, deviam a sua existência à criação selectiva pelos insectos.
O mesmo se pode dizer da maioria das flores que conhecemos - provavelmente de todas as flores que apresentem outras cores além do verde e cujo perfume seja mais forte do que um vago cheiro a planta. Nem todo o trabalho se deveu aos insectos - em alguns casos, os polinizadores que realizaram a criação selectiva inicial eram colibris, morcegos e até sapos -, mas o princípio foi o mesmo. As flores de jardim foram aperfeiçoadas pelos seres humanos, mas as silvestres, que começámos por referir, só chamaram a nossa atenção porque os insectos e outros agentes selectivos actuaram antes de nós.
As gerações passadas de flores foram escolhidas pelas gerações passadas de insectos, colibris e outros polinizadores naturais. É um exemplo perfeitamente aceitável de criação selectiva, com a diferença irrelevante de os criadores serem insectos e colibris em vez de humanos.
Por um lado, os humanos resolveram conscientemente criar a rosa púrpura mais escura que conseguissem, e fizeram-no para satisfazer um capricho estético, ou porque pensaram que haveria pessoas dispostas a pagar bom dinheiro por ela. Os insectos não agem por razões estéticas por razões sexuais.
Fonte : Adapatação a partir de "O Espectáculo da Vida - Richard Dawkins. Casa das Letras"